16/02/2016

4. 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968)

Filme: 2001: Uma Odisseia no Espaço
Diretor: Stanley Kubrick
Ano: 1968
Título Original: 2001: A Space Odyssey

CENA
Desligamento de HAL 9000


Após ter causado a morte de quatro astronautas e atentado contra a vida de Dave Bowman (Keir Dullea), o computador HAL 9000 (voz de Douglas Rain) - que durante o filme todo aparenta ser o personagem mais emotivo, apesar de sua inteligência ser artificial - pretendia continuar com a missão ao planeta Júpiter sem nenhum auxílio humano. Um típico caso onde a tecnologia se volta contra seu criador, exceto que este filme aborda a tecnologia e a evolução humanas desde a pré-história, então a abordagem é um pouco menos reducionista do que essa minha frase. O astronauta, porém, consegue sobreviver à tentativa de homicídio (o confronto dos dois é outra cena que eu poderia escrever aqui neste blog, ainda que seja imediatamente anterior a esta cena aqui) e com todo o seu sangue frio caminha diretamente ao circuito central de HAL com o propósito de desligá-lo.

HAL pretendia abandoná-lo fora da nave, mas Dave consegue entrar. Ainda com o capacete de oxigênio, o chiado do tubo e a respiração de Dave são dois sons que acompanham a cena inteira. Enquanto esses dois sons provocam certo nervosismo, a voz calma e suave de HAL forma um enorme contraste sonoro. Os sons "desagradáveis" são contínuos e a voz do computador é mais espaçada... reticente... HAL a princípio tenta acalmar Dave de maneira lógica e psicológica, assegurando-o de que seu funcionamento voltará ao normal e recomendando que Dave tome um comprimido para stress. Quando Dave finalmente entra em seu circuito e começa o processo de desligamento, HAL implora para Dave parar e diz estar com medo.

Sua declaração explícita de medo (seguida pela frase "I can feel it", que ele repete três vezes) é a última e mais definitiva prova de que ele virou um ser senciente, com emoções genuínas. Também é a conclusão lógica da evolução tecnológica do homem desde que criamos a primeira ferramenta (um osso usado como arma) no início do filme. Enquanto ele implora e sente medo, Dave continua o processo vagaroso de desligamento, desparafusando diversas plaquetas, uma a uma. É quase como uma neurocirurgia, especificamente uma lobotomia, e essa comparação faz ainda mais sentido quando, após HAL ter dito suas últimas palavras enquanto ser senciente, a sua consciência praticamente morre e ele retorna às suas memórias de "infância", num tom muito mais robótico: "good afternoon gentlemen, I am a HAL 9000 computer".

É interessante notar que nesse ponto, a respiração de Dave fica mais ofegante e suas expressões ficam mais consternadas, fazendo muito contato visual com o "olho" do computador que está ali do lado. Ele acaba de perceber que está "matando" HAL. Assim como Dave Bowman, o espectador sente empatia pelo computador, afinal, é o único personagem do filme a expressar suas emoções com tamanha vulnerabilidade. HAL diz que aprendeu uma canção com seu criador. Dave, com sua única fala durante toda a cena, diz que quer ouvir a canção. A voz de HAL já está ficando progressivamente mais grave neste ponto, como se ele estivesse se deteriorando. Sua performance da música "Daisy Bell" cementa toda a melancolia que a cena possui. Sua voz fica grave a ponto de ficar irreconhecível, até que ele já não canta mais... Uma gravação em vídeo surge e Dave descobre o real sentido da missão a Júpiter.

O uso da cor vermelha nessa cena é intensa: o uniforme de Dave é vermelho, todo o circuito central do HAL é vermelho, o próprio "olho" do HAL é vermelho... A única outra cor a fazer contraste é o branco dos chips que são desparafusados e que reflete no capacete de Bowman. Talvez essa minha interpretação a seguir seja muito viajada, mas whatever: o vermelho é uma cor muito orgânica e humana (é a cor do nosso sangue, afinal de contas), então o fato de o "cérebro" do HAL ser dominado por uma cor assim diz muita coisa dele. O branco de seus "neurônios" remete a seu lado mais abstrato e lógico, um lado que precisa ser refletido na cara do Dave para ele continuar com a frieza do desligamento, mesmo quando rodeado pelas emoções do computador (sonoramente e visualmente, através da cor vermelha). Podemos até notar o quanto Dave evita olhar ao seu redor, tentando focar apenas no branco dos chips - a humanidade de HAL o incomoda, pois provoca-lhe um conflito interno: ele estaria desligando uma ferramenta ou matando um ser vivo?

Por último, a direção: quando o astronauta entra no circuito, vemos um reflexo dele no "olho" do computador e os planos que se seguem são mais abertos, demonstrando todo o espaço neurológico de HAL. Quando este começa a cantar, os planos ficam muito mais intimistas, com close-ups do "olho" e do astronauta. Em geral, todos os ângulos escolhidos em um espaço que é tão aberto, mas ainda assim tão claustrofóbico, são incríveis.

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